quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Violência no Rio: Estado e Constitucionalismo de fachada

Está em curso no Rio de Janeiro uma das ações mais arbitrárias e autoritárias de nosso dito período da "redemocratização".

O Estado brasileiro, por meio de seus agentes públicos policiais, militares, entre outros, está assassinando pessoas, invadindo moradias, abusando de sua autoridade e poder de força.

Não há mais preocupação do Estado em justificar juridicamente atos de militares e suspensão de direitos e garantias fundamentais.

Um dos supostos fiscais do Estado de Direito, o presidente do STF, Cesar Peluso, apoiou a ação, que julgou legal e dentro da necessidade.

Organizações públicas, principalmente as ditas defensoras do Estado de Direito (OAB, associação de juízes, promotores, entre outros) também apoiaram, pelos supostos valores da segurança pública e do próprio Estado oficial.

A socidade civil está dividida. Algumas associações de direitos humanos estão apoiando, como alguns integrantes da ONG carioca "Viva Rio", por exemplo.

Marcelo Yuka também apoiou. 

As muitas arbitrariedades e exagero no uso da força estão sendo reconhecidos pelas autoridades públicas, e a parte da sociedade não vê problema algum em conciliar esta atitude com o Estado de Direito, aliás, acreditam que são necessárias para sua manutenção.

Existe relação direta na política atual com a garantia dos interesses nacionais de sediar dois eventos esportivos internacionais, e também com a especulação imobiliária.

Qual a semelhança com estes atos preparatórios e os atos de exceção cometidos pelo Estado da África do Sul durante a última Copa, a mando da FIFA, que criou cidades de lata e julgamentos sumários?

A especulação imobiliária aproveita o contexto de despejo em massa implementado pela política de urbanização das favelas, a valorização dos imóveis, as vistas maravilhosas do alto dos morros...

A dúvida recai sobre a concentração das ações policiais em comunidades sob o domínio do Comando Vermelho. Qual a ligação com o uso de força militar de veteranos da "ocupação" brasileira do Haiti? Seria uma nova modalidade da repressão a um dos poucos grupos armados politizados do tráfico?

Cabe ainda uma pergunta sobre a omissão dos defensores de direitos humanos a respeito da irresponsabilidade completa de um Estado que prega um Constitucionalismo de fachada.

Nada de novo para aqueles que não esquecem a repercussão que o regime militar recente no Brasil trouxe a nossa cultura política.

A Constituição atual prevê a possibilidade de convocação da força militar pelo presidente do Congresso Nacional. Este dispositivo pode vir a ser invocado, sob o argumento novamente falacioso de caça aos traficantes (que lembrará os militares de 1964 e sua caça aos comunistas).

Resta resistir contra este Estado e  contra este Direito. Afinal, estes estão mesmo na mão da política, suspensos e capturados.

15 comentários:

  1. Por falar em despejos motivados por eventos esportivos internacionais, eu sei que o pessoal das assessorias do Ceará estavam discutindo isso- inclusive foi um assunto levantado durante discussões no ERENAJU deste ano, aqui em Teresina. Especulação imobiliária muito forte por lá...

    Alguém para esclarecer melhor a situação?

    E, Ribas, bom ter tocado no assunto. E são tantas as questões a serem colocadas! Espero que o Lucas Vieira (para sempre CORAJE-PI) exponha por aqui a indignação que vem declarando no conta gotas do twitter (ou como diria Pazello: "tuiter") sobre o tema.

    Abração!

    ResponderExcluir
  2. O discurso de "Guerra" não é nada ingênuo. É a força do conceito que legitima e torna plausível a "exceção", o afastamento de garantias constitucionais. Belo texto.
    Eduardo Rocha

    ResponderExcluir
  3. ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA - AJD
    NOTA PÚBLICA - RJ - NOVEMBRO de 2010

    À MARGEM DA LEI TODOS SÃO MARGINAIS


    A ASSOCIAÇÃO JUIZES PARA A DEMOCRACIA - AJD, entidade não governamental e sem fins corporativos, fundada em 1991, que tem por finalidade estatutária o respeito absoluto e incondicional aos valores próprios do Estado Democrático de Direito, em consideração às operações policiais e militares em curso no Rio de Janeiro, vem manifestar preocupação com a escalada da violência, tanto estatal quanto privada, em prejuízo da população que suporta intenso sofrimento.

    Para além da constatação do fracasso da política criminal relativamente às drogas ilícitas no país, bem como da violência gerada em razão da opção estatal pelo paradigma bélico no trato de diversas questões sociais que acabam criminalizadas, o Estado ao violar a ordem constitucional, com a defesa pública de execuções sumárias por membros das forças de segurança, a invasão de domicílios e a prisão para averiguação de cidadãos pobres perde a superioridade ética que o distingue do criminoso.

    A AJD repudia a naturalização da violência ilegítima como forma de contenção ou extermínio da população indesejada e também com a abordagem dada aos acontecimentos por parcela dos meios de comunicação de massa que, por vezes, desconsidera a complexidade do problema social, como também se mostra distanciada dos valores próprios de uma ordem legal-constitucional.

    O monopólio da força do Estado, através de seu aparato policial, não pode se degenerar num Estado Policial que produz repressão sobre parcela da população, estimula a prestação de segurança privada, regular e irregularmente, e dá margem à constituição de grupos variados descomprometidos com a vida, que se denominam esquadrões da morte, mãos brancas, grupos de extermínio, matadores ou milícias.

    Por fim, a AJD reafirma que só há atuação legítima do Estado, reserva da razão, quando fiel à Constituição da República.

    ResponderExcluir
  4. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  5. Não é muito agradável admitir que o professor esteja certo nesse caso. Admitir que tudo isso seja verdade, traz um total sentimento de impotência e tristeza. E por isso me custa concordar com seu ponto de vista.
    Espero que você tenha compreendido minha resistência em sua aula de hoje.
    Por fim, quero parabenizá-lo pelo excelente trabalho como professor esse semestre. Vou sentir falta das suas aulas.

    Um abração, Fabrizio Chiamulera

    ResponderExcluir
  6. Caro Gerivaldo Neiva
    Fico muito feliz em receber e conhecer esta carta da AJD!
    Reconheço minha infelicidade em universalizar o apoio dos juízes. Embora, com todo o respeito que tenho ao teu trabalho e ao da AJD, saibamos que representa uma posição política minoritária no contexto do judiciário brasileiro. Mas fundamental, porque oposição, resistência, consciência e ludicez.
    Espero que possamos nos aproximar neste momento difícil de nosso país, e que a comunicação dos blogues possa compor um mar revolto de contrainformação e contrahegemonia.

    Obrigado pela mensagem Fabrizio, minha satisfação maior neste semestre foram nossos debates e divergências!

    Obrigado também a Nayara e ao Eduardo.

    O debate continua...

    ResponderExcluir
  7. Essa é só mais uma prova da falácia do discurso de um suposto Estado Democrático de Direito no qual viveríamos. Embora a Constiução prevê essa possibilidade de convocação militar, como ribas disse, no contexto em que estamos, sem "precisar" avançar muito no debate, bastaria perguntar cadê os direitos e garantias Constitucionais, cadê o respeito aos Direitos Fundamentais? Ribas coloca bem: se trata de um Estado Policial, ou como diriam os Titãs, Estado Violência:

    Estado Violência
    Estado Hipocrisia
    A lei não é minha
    A lei que eu não queria...

    Homem em silêncio
    Homem na prisão
    Homem no escuro
    Futuro da nação

    A matéria de hoje do 'O Globo' está mais do que clara: "Dilma quer tropas no Rio até a Copa". As ocupações das UPP's estão todas na área que interessam aos megaeventos esportivos. De repente, a Polícia declara estado de guerra, onde toda a violência é permitida, sem qualquer justificativa. Fincou-se a bandeira do Brasil no morro, como se lá fosse um território à parte, como se não existisse no Brasil, e a polícia, como num passe de mágica, resolve "libertar" aquelas pessoas. A primeira vista, poderia dizer que isso é reflexo da omissão, da ausência do Estado. Pelo contrário, o Estado fora ativo e conivente com todo o descaso vivenciado pelos moradores das favelas.

    Enquanto isso, a grande mídia estimula a população a lembrar de João Hélio, e outros filhos da classe média/alta e apoiar o violência com os moradores, que não passa de uns ninguéns "que valem menos que a bala que os mata".

    Infelizmente, sabemos que não é algo isolado, a situação do Rio mostrada na mídia é apenas a ponta do iceberg. Agora fica a pergunta: porque só agora houve essa ação das UPP'S?

    E Ribas, você considera que essa ação dos traficantes, é uma ação politizada? Não seria algo relacionado ao próprio comércio de drogas, e à relação traficantes e policias?

    Por fim, à reflexão indico as charges do Carlos Latuff sobre o caso (http://twitpic.com/3afy0m ; http://twitpic.com/3af3ai ; http://twitpic.com/3aemg2 ; http://twitpic.com/3aedl7).

    Abraços,

    ResponderExcluir
  8. Ribas, concordo com algumas críticas tuas, entre elas, que a ação se deu (pelo menos, inicialmente) em virtude dos jogos e que não se pode suspender direitos fundamentais da forma com que está sendo feito.
    Contudo, considero que na maior parte do texto não houve um devido esclarecimento (baseado em fatos ou argumentos) das críticas que foram feitas.
    Não entendi a defesa do Comando Vermelho como grupo político e nem a comparação da "caça aos comunistas" com a "caça aos traficantes".
    Afinal, tu achas que a operação simplesmente não deveria ter ocorrido ou que está sendo realizada da forma errada? Abraços.

    ResponderExcluir
  9. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  10. Luiz,
    saber que não estamos sozinhos nos fortalece.
    Abs.

    ResponderExcluir
  11. Sabe, Ribas a dúvida do Macell também é minha neste trecho: "Não entendi a defesa do Comando Vermelho como grupo político." Apesar de eu deduzir, a partir de informação histórica, a utilização da controversa expressão "politizado".

    ResponderExcluir
  12. Luiz,
    Obrigada por socializar essas palavras. Estou profundamente triste (é essa a palavra) com esse acontecimento e não conseguia verbalizar muitas coisas. Me senti refletida no que escreveu. Levarei seu texto para a sala de aula amanhã e o darei como um presente de fim de semestre. E vamos tomar o tal do café que já esfriou no inverno curitibano e agora está começando a ficar quente de novo.
    Beijos, Lele

    ResponderExcluir
  13. Professor Luiz Otávio

    Diante da situação no Rio de Janeiro no que tange a ação policial nos morros, o Governo está sendo taxado, tanto nacionalmente quanto internacionalmente, como herói, como se não fosse um dever Constitucional do Estado promover a Segurança Pública, bem como preservar os Direitos Humanos.

    Assim, temos duas vertentes: Segurança (direitos humanos) de uns e Direitos Humanos de outros.

    Profº Luiz, como equilibrar essa situação?

    ResponderExcluir
  14. A existência de grupos armados - politizados ou não (essa é uma questão de ponto de vista) - por si só não assevera o tal constitucionalismo de fachada?

    ResponderExcluir
  15. Bem, na verdade o constitucionalismo de fachada não serve única e especificamente para o caso do RJ.Em SP as ações são diferentes, mas a prática e o discurso do estado é o mesmo.Na verdade a constituição brasileira é muito bonita, mas na prática não funciona, pois se fosse aplicada ia mexer nos alicerces de uma estrutura social viciada. Os direitos humanos são desrespeitados todos os dias, a tortura é sistemática nas delegacias e prisões do país. O cidadão pobre não tem noções do seus direitos, acha normal o abuso de um policial, assim como o policial acha normal bater no pobre. No Rio de janeiro isso só é mais escancarado.

    ResponderExcluir