quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Crítica aos direitos humanos e movimentos sociais (2)

Por Luiz Otávio Ribas

Hoje farei considerações sobre o direito e os direitos humanos, fruto de um debate com integrantes do CAJU Sepé Tiaraju, também pelo diálogo com o grupo anarquista Resistência Popular, ambos de Passo Fundo, Rio Grande do Sul. Trata-se de um texto inicial, esforço necessário já tentado por aqui.


1. O direito serve para a manutenção da exploração pela classe capitalista.
O direito é instrumento de manutenção do regime capitalista que se funda na exploração da classe trabalhadora. O direito funciona como garantia da ordem e da segurança das relações sociais tipicamente capitalistas. O exercício do direito inclui o uso de violência organizada e institucionalizada, assim como o arbítrio em nome da classe capitalista. O Estado como ente superior e abstrato funciona como justificação e encobrimento desta relação política.
O direito não serve para garantir a segurança e a ordem em situações de crise. Nestes casos, a classe capitalista lança mão da força bruta. O exército como braço armado do Estado funciona como justificação e encobrimento desta relação política.
As crises são cíclicas, assim como a força bruta. Não é possível estabelecer o Estado capitalista como garantidor da ordem e da segurança por meio do direito.
O Estado capitalista utiliza o direito como garantidor da ordem e da segurança fora das situações de crise. Mesmo assim, preserva o arbítrio em favor de sua própria classe. Aquilo que a classe capitalista nomeia como direito, não é direito.

2. O direito não ocupa lugar central no sistema de exploração e alienação.
No sistema de exploração e alienação da classe trabalhadora pela capitalista o direito não ocupa lugar central. A justificativa para a exploração é fornecida pelo direito de forma indireta. A maior justificativa para a exploração são as necessidades criadas pela própria desigualdade, inerente ao regime capitalista. Aquele que é explorado necessita permanecer nesta situação enquanto durar o regime capitalista. É impossível a libertação individual ou coletiva de trabalhadores e a manutenção do capitalismo. A revolução precisa ser completa, para todos. O direito funciona como um dos instrumentos de alienação, de forma indireta. O maior instrumento de alienação constitui no próprio encobrimento da relação social de exploração.
A forma indireta de exploração e alienação pelo direito está na relação de desconhecimento sobre os processos de criação e decisão. O conhecimento sobre o direito não possui cientificidade, racionalidade ou sistematicidade.

Marx: feliz com a eleição da primeira presidenta brasileira? 

3. O direito é uma linguagem utilizada pela classe capitalista.
A classe capitalista utiliza o direito como linguagem. A linguagem é o conjunto organizado convencional de significantes e significados empregados na comunicação. As significantes são estabelecidas pela classe capitalista, que são os textos jurídicos, principalmente as leis. Os significados são as interpretações autorizadas pelo Estado, qualquer significado diferente recebe a denominação de antijurídico, ou ilegal.
A linguagem do direito utilizada pela classe capitalista não preserva a juridicidade e a legalidade.

4. Os direitos humanos constituem em ideologia da classe capitalista.
Os direitos humanos funcionam para universalizar a concepção capitalista de homem e sociedade, fundada no individualismo e na exclusão da classe trabalhadora. Uma ideologia de proteção do indivíduo contra toda a forma de opressão. Na prática, a proteção do cidadão capitalista de toda tentativa de revolução.
O discurso dos direitos humanos serve como desmobilizador da classe trabalhadora para um rompimento radical e definitivo com este modo de produção.

5. O direito, os direitos humanos e a classe capitalista precisam ser extintos.
A revolução implica na extinção da classe capitalista junto a sua ideologia dos direitos humanos e o direito como instrumento de manutenção da ordem e segurança.

7 comentários:

  1. Luiz, dentro dessa perspectiva crítica dos DDHH que tu apresentas, qual a tua opinião sobre o fato de os movimentos populares pautarem suas reivindicações geralmente dentro da perspectiva dos DDHH, ou os utilizem como escudo argumentativo contra a criminalização de suas lutas? Consideras uma postura meramente tática? Um equívoco? Uma cooptação ideológica da sociedade burguesa?

    Gostaria de entender melhor sua opinião e dos demais camaradas sobre essa questão, pra poder então também deixar a minha.

    Abraço

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  2. Creio que, hoje, a principal questão do direito não é extingui-lo. As atuais condições para uma revolução são infimas, além da própria crise de um novo projeto de sociedade.

    Nesse sentido, acredito que a luta pelos os direitos humanos, pela sua concretização material, pode ser um instrumento de "elucidação política" das classes populares, na medida em que, afirmar os direitos humanos no mundo que os nega constantemente coloca em xeque o papel do Estado e o próprio regime de direitos vigente.

    Concordo com os termos colocado por Ribas no Texto anterior, e tenho acrescentar que:
    O Estado, é o regulador de um regime de direitos, o qual ele mesmo está propenso a abolir na medida este regime se coloque como obstaculo a hegemonia burguesa. Não só em momentos de possíveis rupturas dessa hegemonia como também em certos conflitos de menor escala em que o estado se ausenta, permitindo a violência ilegal ou mesmo promovendo esta.

    Nesse sentido, o discurso dos direitos se torna arma, pois a medida em que a classe dominante e o seu principal aparelho repressor, o Estado, são, efetivamente, os que mais violam direitos humanos.

    É preciso fazer clara tais situações. Acreditar ou não que o regime de direitos irá ser respeitado é o que menos importa. O importante é trazer a tona que ele esta sendo destruído por uma classe. Que enquanto se garante o direito de propriedade do rico, ao pobre este é negado no despejo, na reintegração de posse.Enquanto há o apoio claro e expresso ao agronegócio, a agricultura camponesa é tratada como "medida compensatória". Que o estado promove, juntamente com uma classe, ao qual ele serve, a mercantilização da terra, da moradia, o monopólio dos meios de produção e expropiação das populações urbanas e camponesas.

    Por traz de um manto de legalidade, que é, no entanto, frágil, discutível, é que ocorrem estas violações.

    O Direito não é um instrumento Revolucinário, não acredito numa transformação social consistente através deste.

    No entanto, se ele esta lá, e se, em tese, nós podemos reinvidica-lo, ainda que na prática não exista o menor interesse em garanti-lo por parte do Estado-violador-capacho, por que não?
    Afirmar que "reivindicar" só reforça a legitimidade deste estado, creio que não procede.

    No meu ver, quanto mais o Estado for colocado "no banco dos réus" mas ficará claro que este não passa de um farçante, e que é preciso transforma-lo ou elimina-lo.

    É preciso assumir essa tarefa pedagógica: A situação dos regime de direitos e as possibilidades de conquistas dentro deste deve ficar claro antes que os movimentos decidam definitivamente por uma ruptura. Até mesmo para saber o que de bom poderiamos tirar desse Estado, desse atual direito, e o que de negativo nele-o há, para a construção de um outra forma de organização que não repita os vícios da anterior, mantendo-os avanços.

    Existem avanços? acredito que sim! Não avanços talvez no sentido material, mas num sentido mais normativo. Por exemplo, o Estado se comprometer a reconhecer os direitos territóriais dos povos tradicionais é um avanço, muito embora as ferramentas legislativas as vezes se coloquem no sentido mais de atrapalhar do que por em ação esse compromisso, ele representa uma conquista de um movimento desses povos. Representa, um fragmento de uma sociedade mais justa, que precisa ser colocado juntamente com outros fragmentos, na (re)construção de um
    inédito-viável.


    Abraços!

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  3. Oi, Ciro!

    Obrigada pelo seu comentário. Me senti contemplada em alguns pontos.

    Gente e o direito que está aí, que existe e gera conseqüências ( só negativas?)? E o Estado que está aí? Os direitos humanos, ou pelo menos como eu os entendo ( e são vários os seus sentidos), estariam disponíveis para dar respostas a problemas imediatos. Isso não é importante? Não acredito que tenham um cunho revolucionário, pelo menos não no sentido mais usado aqui no blogue. É uma ferramenta relevante que precisa saber ser usada como qualquer arma de poder- precisa ser desnudada e desmistificada também- até porque há quem saiba usá-la muito bem.

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  4. Nayara!

    Realmente, os direitos humanos podem ser usados para dar problemas as questões inasfastáveis para os movimentos sociais, como tu colocou. Só que fica um vácuo: Luta-se pela a realização de alguns direitos junto ao Estado, e este mesmo está a engrendar diversas outras situações de violação. Nesse sentido, lutar pelos direitos humanos, unica e exclusivamente, parece algo vazio, porque eu luto, mais aquele ao qual eu reivindico apenas acolhe algumas de minhas razões. Os direitos humanos são protegidos desde que: não alterem a forma de propriedade, não alteram a estrutura fundiária, não alterem a remessa dos lucros para os grandes grupos internacionais e não digam nada que possa questionar esta hegemonia.

    Fora disso, o Estado, tal como está, não respeitará nenhum direito humano, pois seria colocar em cheque a "governabilidade". Ora que governabilidade é essa se não é a pactuada com os grandes grupos empresarias, multinacionais e latifunidários?

    A resposta a problemas imediatos a que o Estado se propõe (sim, por que, nessa história toda, o Estado é o grande mediador/provedor dos direitos humanos que muitas vezes desrespeita ou promove a sua violação) nunca irão contra estes interesses de "governabilidade". Allende provou isso com sua própria vida.


    Diehl, dentro dessa questão Movimentos Sociais e Direitos Humanos, entendo que considera-la como mera cooptação deva ser de logo discartada. Embora exista uma cooptação idelógica de movimentos que se encombre com um certo discurso sobre direitos humanos (principalmente a da defesa fragmentada e corporativista destes), não devemos levar ao extremo que todo a idéia de direitos humanos leva isso, e nisso acho que estamos de acordo.
    Em relação ao equívoco, entendo que há equivoco somente quando se prentende se retirar este "texto" do seu "contexto". Nesse sentido, para que os movimentos não se equivoquem em suas opções de bandeiras de luta, creio que é necessária sempre a permanente crítica. Só a analise crítica do que estamos fazendo pode fazer-nos superar equívocos, seja de que natureza for. A crítica e autocrítica, no sentido positivo desses termos, é essencial: qualquer movimento social acaba sendo fragmento, de alguma forma, de algo maior. Se este movimento fecha-se em si mesmo, só pode implodir , pois, em verdade, não se movimentará, ficará parado diante da realidade. Conhecer suas próprias contradições e buscar supera-las são desafios a ser pautado por todos os movimentos populares.

    Mera tática - acho que é mais abrange do que uma tática. O discurso dos direitos humanos dos movimentos sociais tem a função a qual designa Paulo Freire de Denúncia e Anúncio!

    É Denúncia, posto que coloca em xeque as contradições da sociedade e do papel desempenhado pelo Estado diante delas.

    É anúncio por que, por mais que uma bandeira seja algo fragmentado, ela é parte de uma proposta de uma nova sociedade, ou pelo menos de uma transição. Cabe a juventude, as mulheres, aos trabalhadores e trabalhadoras, os homofetivos, as mulheres, aos camponeses e povos tradicionais em geral, o fortalecimento, o amadurecimento, a construção de um novo projeto de sociedade.

    Como fazer? na minha opinião, o caminho se faz caminhando. Não é fácil, nem rápido, e é muito conflituoso e contraditório. Além do que, não ficaram de braços cruzados esperando que nos organizemos. Jogar um contra o outro, cooptar, difamar e dar golpes de Estado estarão entre as armas utilizadas à aqueles que se servem deste Mundo ao Avesso.

    Não há possibilidade de resistirmos sem nos unirmos, cada vez mais, reinventando nossa força.

    Há braços!

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  5. Primeiro quero ressaltar a minha satisfação em perceber a discussão que este texto provocou.
    Para mim, isto demonstra a dificuldade que temos em negar, mesmo que numa perspectiva dialética o Estado, o direito e seu discurso dos direitos humanos.

    O dia que conseguirmos descascar o abacaxi (ou seria um abacate?) que é a teoria do direito em Marx, vamos conseguir responder, satisfatoriamente, todas as perguntas levantadas pelo Diego, a Nayara, o Ciro, e também a Juliana.

    A proposta de extinção do direito, que reúne socialistas e anarquistas, é valiosíssima nos tempo de hoje. Onde, como concordou o Ciro, não temos exatamente algo que podemos chamar de Estado de Direito.

    Agora, como defender a extinção de um Direito, se ele não existe?
    É o fio da meada que temos que resgatar, para fugir do emaranhado de conceitos de direito.

    Nos preocupemos, primeiro, em negar os direitos humanos. Pois estes não garantem uma sociedade com a plena satisfação das necessidades. São insuficientes como experiência histórica de luta. Provocam problemas de compartimentalização das lutas. Mas os defendamos, dialeticamente, e não taticamente.

    É preciso defender-los porque são a alternativa de resistência nesta sociedade e neste Estado. Mas negados, porque são colocados como a única alternativa.

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  6. Bom, minha opinião a respeito da questão:

    Os DDHH foram criados como parte da ideologia da classe burguesa em ascensão, e, como não poderia deixar de ser, foram concebidos inicialmente à sua "imagem e semelhança". Nada de direitos sociais ou trabalhistas, mas sim direito à igualdade e participação política. O essencial para controlar o Estado e os meios de produção.

    Dentro da estrutura do Estado sob controle político da burguesia, toda luta revolucionária pela dissolução do regime é considerado "terrorismo", "vandalismo", crime contra a ordem pública etc etc. Só é possível lutar dentro da legalidade (imposta pela burguesia, que controla o parlamento e produz as leis) quando a luta se conforma à pauta dos DDHH. E, além disso, se a luta não for feita de forma "moderada", mais uma vez a criminalização se impõe.

    O fato é que, ante essa situação, e em momentos históricos nos quais as classes oprimidas não tem condições materiais de destruir a hegemonia da classe dominante, a luta passa a ter que se conformar a esse "molde" dos DDHH. É sim uma questão tática a conformação de reivindicações que dicifilmente podem ser atendidas pelo Estado burguês sob a forma de "DDHH", pois só assim é possível mobilizar as classes subalternas para lutas por seus interesses históricos (e transcendentes ao capitalismo!) sem ser neutralizado pelo Estado! (sobre o comportamento dos revolucionários ante este dilema, sugiro o artigo "Sobre a questão da legalidade" de Lukács, em História e Consciência de classe"!)

    Dessa forma, uma simples negação dos DDHH não consegue apreender a relação dialética dos movimentos populares com os DDHH, pois eles não os negam pura e simplesmente, mas negam a negação: afirmam os DDHH, mas não já sob a perspectiva da burguesia. É como penso que deveria ser nosso comportamento, sob pena de nossa crítica ser puramente teórica, sem ligação prática com as lutas dos movimentos (as vezes rotulados até mesmo como "pelegos" por utilizar a fraseologia dos DDHH...)

    Acho ainda que não podemos desconsiderar a hipótese de os DDHH serem utilizados pela ideologia dominante numa perspectiva de cooptação ideológica. Hoje em dia parece até que temos mais "militantes dos DDHH" do que dos "militantes do socialismo" ou "militantes do projeto popular" ou qualquer coisa que aponte para uma nova sociedade. A forma com que o USA maneja este tema (usado inicialmente para desmoralizar a URSS, como se os países capitalistas fossem o paraíso na terra!) mostra que precisamos estar mais atentos a essa questão. Principalmente porque ele, junto com muitas "fundações de apoio" ianques, financia diversas organizações e movimentos que "lutam pelos DDHH", e não contra o imperialismo por ex.

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  7. Há dias em que Ciro, Nayara e Andréia pedem eu pra ler esta postagem, mas só estou lendo com calma agora. Sem querer me posicionar, ainda, deixo aqui um texto de Zizek que encontrei nessa internet afora. Vamos ver se contribui ao debate:

    [...] Em nível ainda mais geral, deveríamos problematizar a própria oposição entre Direitos Humanos universais (pré-polítcos), que pertencem a todo ser humano “como tal”, e direitos políticos específicos do cidadão, membro de uma comunidade política específica; Balibar defende a “inversão da relação histórica e teórica entre ‘homem’ e ‘cidadão’” que resulta do fato de “explicar como o homem é feito pela cidadania e não a cidadania pelo homem.
    Aqui, Balibar cita o pensamento de Hannah Arendt a propósito do fenômeno dos refugiados do século XX: “O conceito de direitos humanos, baseado na suposta existência de um ser humano em si, desmoronou no mesmo instante em que aqueles que diziam acreditar nele se confrontaram pela primeira vez com seres que haviam realmente perdido todas as outras qualidades e relações específicas – exceto que ainda eram seres humanos.

    É claro que essa frase leva diretamente à noção de Homo sacer, de Agamben, como o ser humano reduzido à “vida nua”: na dialética paradoxal propriamente hegeliana de universal e particular, é exatamente quando o ser humano é privado de sua identidade sociopolítica particular, da base de sua cidadania específica, que ele, num único e mesmo movimento, não é mais reconhecido e/ou tratado como ser humano. Em resumo, o paradoxo é que somos privados dos direitos humanos exatamente quando, de fato, na realidade social, somos reduzidos a um ser humano “em geral”, sem cidadania, profissão etc. – ou seja, exatamente quando, de fato, somos os portadores ideais dos “direitos humanos universais” (que me pertencem “independentemente” de profissão, sexo, cidadania, religião, identidade étnica...).

    [...] Então, o que acontece com os Direitos Humanos quando se reduzem aos direitos do Homo sacer, dos excluídos da comunidade política, dos reduzidos à vida nua” – ou seja, quando se tornam inúteis, já que são os direitos dos que, exatamente, não têm direitos, dos que são tratados como inumanos? Aqui, Rancière sugere uma inversão dialética bastante espantosa:

    Quando eles não têm mais utilidade, fazemos o mesmo que as pessoas caridosas fazem com as roupas velhas. Damos para os pobres. Aqueles direitos que parecem inúteis em seu lugar de origem são mandados para o estrangeiro, junto com roupas e remédios, para gente privada de roupas e remédios, e direitos. É dessa maneira, como resultado desse processo, que os Direitos do Homem se tornam os direitos dos que não têm direitos, os direitos de seres humanos nus sujeitos à repressão inumana e a condições de vida inumanas [...].

    ŽIŽEK, Slavoj. A visão em paralaxe.

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