terça-feira, 14 de setembro de 2010

O teatro e o ensino do direito (2)

Em outro momento já abordei a relação do teatro com o ensino do direito formal.
Afirmei que a assessoria jurídica popular significa uma nova proposta metodológica para o ensino do direito, e que a arte, em suas mais diversas manifestações, é uma porta de entrada sem retorno para o assessor popular. Os assessores estudantis, especialmente, preferem as atividades lúdicas no trabalho popular, que ocorre na sua maioria como atividades de extensão/comunicação popular.
Agora, exploro o ensino do direito informal, ou melhor, a educação popular dos direitos humanos.

No feriado de "independência" do Brasil, de 5 a 8 de setembro, ocorreu em São Paulo um acampamento de formação de assessores estudantis. Em uma das tardes, houve um momento em que o teatro do oprimido, de Augusto Boal, teve espaço para a criação artística e o debate crítico. A oficina foi facilitada por mim e pela Luisa Paiva, do SAJU-SP.
A proposta foi de debater os problemas enfrentados pelos assessores no seu cotidiano de trabalho popular. Foram representadas três situações-problema:

1 - O incrível mundo de Bobbio
Após muitas reivindicações dos movimentos populares por moradia, igualdade de gênero, educação, esses resolvem ir até a academia buscar apoio de três professoras de direito. A encenação consistiu na interpelação das cisudas professoras de direito pelos movimentos e causas populares (realidade), as quais insistiram em contemplar a "realidade" a partir de suas teorias e "óculos" epistemológicos. O afastamento das professoras da realidade funcionou como metáfora da distância da universidade dos movimentos populares. Após muitas tentativas de solução pelos participantes da oficina, ninguém conseguir abalar os corações gelados das professoras que tiveram que escutar a realidade reivindicar a universidade popular.
"-Estou vendo, estou vendo a realidade pela janela! Ela está um pouco distorcida em meio a tanto vidro e galhos, mas mesmo assim, é a realidade."

2 - Conquistando "corações e mentes"
Em uma sala de aula de uma faculdade de direito brasileira, durante uma explicação do professor sobre os benefícios do regime monárquico, surge um grupo de estudantes para divulgação das atividades da assessoria jurídica popular. Após certo ceticismo do professor e da turma, os assessores precisam escutar questões complicadas sobre suas intenções e não cativam nenhum novo militante. As tentativas de solução passaram pela realização de uma oficina durante a aula, para explicar com mais detalhes a proposta, além de muito esforço retórico para rebater as críticas e carisma para cativar os calouros.
"- Vocês tem bolsa? Valem horas complementares? Vocês são comunistas? Qual a opinião de vocês sobre as invasões de terra? Vocês são a favor do MST?"

3 - O tempo e o lugar do assessor popular
Uma oficina na comunidade começa com o discurso do líder comunitário pela venda de um terreno baldio e o rateio do dinheiro entre os moradores. Após inúmeras tentativas dos assessores estudantis em garantir um espaço democrático e horizontal no diálogo comunitário, todas fracassam diante da eloquência e legitimidade dos argumentos do representante da comunidade. Foi uma oportunidade única para debater o papel do assessor popular, sua função na mediação de conflitos e na organização política.
"- O que você acha? Diz o que você acha? Viu! Não diz nada, não acha nada, não fazem nada. Mas eu faço, vamos vender o terreno!"

Foram momentos de muita descontração, mas também de aprofundamento sobre estas e muitas outras questões. Ficou como lição que o teatro fórum pode render bons frutos em oficinas na comunidade, mas também nos momentos de formação e articulação política dos grupos estudantis.

3 comentários:

  1. Parabéns ao professor Luiz Otávio Ribas pela inciativa de fazer o lúdico adentrar nossas gélidas e pouco criativas salas de aula!

    ;D

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  2. Pelo jeito, foi massa. Fiquei de cara com a foto. :)
    Thiago Arruda

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